Introdução
Comprar pode ser uma atividade prazerosa e necessária. No entanto, quando o ato de comprar se torna compulsivo, causando prejuízos financeiros, emocionais e sociais, pode-se estar diante de um transtorno psicológico real: o transtorno do comportamento de compra compulsiva (também chamado de oniomania). Embora seja frequentemente banalizado, esse comportamento tem raízes profundas no funcionamento do cérebro, mais especificamente, na forma como os circuitos de recompensa e regulação emocional operam.
O que é o vício em compras?
O vício em compras é caracterizado por um impulso incontrolável de adquirir bens, mesmo sem necessidade ou capacidade financeira. Ele geralmente vem acompanhado de sentimentos de alívio, excitação ou prazer durante a compra, seguidos por culpa, arrependimento ou vergonha.
Segundo estudos, a prevalência do transtorno varia entre 5% e 8% da população adulta, afetando mais mulheres do que homens, embora a diferença esteja diminuindo com o aumento do consumo digital (Black, 2007).
Como o cérebro responde às compras?
1. Sistema de recompensa e dopamina
As compras ativam o sistema de recompensa do cérebro, especialmente o circuito que envolve o núcleo accumbens e a área tegmental ventral regiões fortemente associadas à liberação de dopamina, o neurotransmissor do prazer.
Assim como ocorre em vícios com substâncias, o cérebro aprende a associar o ato de comprar com sensações agradáveis. Com o tempo, o indivíduo busca repetir esse comportamento para obter o mesmo nível de prazer um mecanismo clássico de reforço.
“A antecipação da compra pode ser até mais prazerosa do que a própria aquisição do produto.”— Otero-López & Villardefrancos (2014)
2. Córtex pré-frontal e controle inibitório
O córtex pré-frontal, responsável pelo planejamento, autocontrole e tomada de decisões racionais, costuma funcionar de maneira reduzida em pessoas com comportamento compulsivo. Isso significa que o impulso de comprar não é adequadamente freado por mecanismos de controle cognitivo.
Esse desequilíbrio entre desejo e razão contribui para a perda de controle, mesmo quando há consciência dos prejuízos que o comportamento pode causar.
3. Emoções e autorregulação
Muitas pessoas recorrem às compras como forma de lidar com emoções negativas, como ansiedade, tristeza ou estresse. Nesses casos, o consumo funciona como um mecanismo de regulação emocional disfuncional, gerando alívio momentâneo, mas reforçando o ciclo vicioso.
Estudos mostram que há alta comorbidade entre o vício em compras e transtornos como depressão, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno obsessivo-compulsivo (Mueller et al., 2010).
A influência do marketing e do ambiente digital
A dopamina não é liberada apenas no momento da compra. O simples ato de navegar por sites de e-commerce, ver promoções e adicionar produtos ao carrinho já ativa o sistema de recompensa.
Além disso, algoritmos e estratégias de marketing exploram gatilhos emocionais (como escassez, urgência e exclusividade) que intensificam a impulsividade e dificultam a autorregulação.
Existe tratamento?
Sim. O tratamento do vício em compras geralmente envolve:
- Psicoterapia, especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que ajuda a identificar padrões disfuncionais de pensamento e comportamento.
- Medicamentos, como inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), podem ser indicados em casos com comorbidades psiquiátricas.
- Educação financeira e planejamento, que ajudam a restaurar o controle sobre os hábitos de consumo.
- Grupos de apoio, como os Devedores Anônimos, também podem ser úteis.
Conclusão
O vício em compras não é apenas um problema de falta de disciplina ou consumismo exagerado. É um transtorno com base neurobiológica, que envolve desequilíbrios nos sistemas de recompensa e controle emocional. Reconhecer sua complexidade é o primeiro passo para buscar ajuda e promover mudanças saudáveis.
Referências bibliográficas
- Black, D. W. (2007). A Review of Compulsive Buying Disorder. World Psychiatry, 6(1), 14–18. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1805733/
- Mueller, A., Mitchell, J. E., Crosby, R. D., Gefeller, O., Faber, R. J., Martin, A., & de Zwaan, M. (2010). Estimated prevalence of compulsive buying behavior in Germany and its association with sociodemographic characteristics and depressive symptoms. Psychiatry Research, 180(2–3), 137–142. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2009.02.001
- Otero-López, J. M., & Villardefrancos, E. (2014). Compulsive buying and the Five Factor Model of personality: A facet analysis. Personality and Individual Differences, 76, 38–43. https://doi.org/10.1016/j.paid.2014.11.041
- McElroy, S. L., Keck Jr, P. E., & Phillips, K. A. (1995). Kleptomania, compulsive buying, and binge-eating disorder. Journal of Clinical Psychiatry, 56(Suppl 4), 14–26.
- Koran, L. M., Faber, R. J., Aboujaoude, E., Large, M. D., & Serpe, R. T. (2006). Estimated prevalence of compulsive buying behavior in the United States. American Journal of Psychiatry, 163(10), 1806–1812. https://doi.org/10.1176/ajp.2006.163.10.1806

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