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Comportamento em crise: por que acumulamos papel higiênico (e ações)?

Comportamento em crise: Por que acumulamos papel higiênico (e ações)?

Introdução

O medo da escassez, o desejo de controle e os impulsos irracionais que movem o comportamento humano em tempos de incerteza.

Basta uma crise se instaurar como uma pandemia global ou um colapso financeiro iminente para vermos comportamentos repetidos surgirem com intensidade quase coreografada. Prateleiras de supermercados esvaziam, estoques de papel higiênico desaparecem como se o mundo estivesse prestes a acabar… e, curiosamente, os mercados financeiros se agitam com o mesmo frenesi: investidores correm para comprar (ou vender) ações em massa. O que explica essa reação em cadeia tão semelhante, seja para garantir rolos de papel ou fatias do mercado?

Este artigo busca analisar os fatores psicológicos e comportamentais que moldam nossas decisões em tempos de crise, explorando o que há em comum entre o impulso de estocar itens básicos e o ímpeto de investir (ou desinvestir) em ações.

O medo como motor primário

A psicologia evolutiva sugere que, diante de ameaças, nosso cérebro primitivo entra em modo de sobrevivência. O medo da escassez ativa mecanismos automáticos de autopreservação. Em 2020, durante os primeiros meses da pandemia de COVID-19, milhões de pessoas correram aos supermercados para estocar alimentos, álcool em gel e, notoriamente, papel higiênico. Embora esse item não estivesse em falta, a percepção de que poderia faltar bastou para disparar o gatilho do acúmulo.

Segundo a teoria da aversão à perda, proposta por Daniel Kahneman e Amos Tversky, a dor de perder algo é psicologicamente mais intensa do que o prazer de ganhar. Assim, quando confrontados com a incerteza, tendemos a agir para evitar perdas percebidas, mesmo que isso signifique tomar decisões irracionais como comprar mais papel higiênico do que podemos usar em um ano.

Do carrinho de compras à bolsa de valores

O que acontece nos corredores do supermercado não é muito diferente do que ocorre nas corretoras de investimentos. Crises econômicas geram uma avalanche de emoções como pânico, ansiedade, esperança que moldam o comportamento dos investidores.

Durante momentos de volatilidade, muitos investidores se sentem compelidos a tomar decisões precipitadas: compram ações em queda (na esperança de uma recuperação rápida), vendem ativos de forma desesperada para “proteger” seu patrimônio ou seguem a multidão sem qualquer análise racional, em um típico exemplo do efeito manada.

Estudos em finanças comportamentais demonstram que, sob estresse, o cérebro humano se afasta da racionalidade e se ancora em atalhos mentais (heurísticas). A heurística da disponibilidade, por exemplo, leva as pessoas a avaliarem a probabilidade de um evento com base em quão facilmente conseguem se lembrar de exemplos similares. Assim, notícias catastróficas recentes fazem com que o medo de colapsos futuros se intensifique — seja na economia, seja no papel higiênico.

Controle ilusório em tempos de incerteza

Acumular objetos ou ativos pode ser uma forma de buscar controle em um mundo que parece ter saído dos trilhos. Em momentos de instabilidade, o ser humano busca segurança tangível. Encher o carrinho ou a carteira de ações pode proporcionar a sensação (ainda que ilusória) de que estamos fazendo algo para nos proteger.

A compra de papel higiênico, nesse sentido, é simbólica: trata-se de um item que representa conforto, higiene, previsibilidade. Já as ações especialmente de empresas consolidadas tornam-se, paradoxalmente, um símbolo de esperança e de resistência econômica. Mesmo sem fundamentos claros, muitas pessoas compram ações como se estivessem estocando “reservas de futuro”.

O coletivo amplifica o irracional

A dimensão social também exerce forte influência. Ver outras pessoas comprando desenfreadamente aciona um alarme interno: e se eu ficar sem? No mercado financeiro, o mesmo acontece quando investidores seguem recomendações em massa ou reagem a boatos sem investigar os fatos. Esse comportamento mimético contribui para bolhas especulativas e para pânicos coletivos, ampliando os efeitos negativos da crise.

Conclusão: Entre emoções e decisões

A lógica por trás do acúmulo de papel higiênico e ações em tempos de crise tem uma raiz comum: o ser humano, pressionado por incertezas, busca prever o imprevisível e controlar o incontrolável. Mesmo em um mundo repleto de dados e análises, nossas decisões ainda são, em grande medida, emocionais.

Entender esses mecanismos não nos imuniza contra o medo, mas nos torna mais conscientes das forças invisíveis que nos movem. Em vez de reagir no automático, podemos aprender a pausar, analisar e escolher com mais clareza seja ao empurrar o carrinho do supermercado, seja ao clicar em “comprar” ou “vender” na corretora.

Referências

  • Kahneman, D. (2012). Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Objetiva.
  • Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. Science.
  • Thaler, R. H. (2015). Misbehaving: The Making of Behavioral Economics. W. W. Norton & Company.
  • Loxton, M., Truskett, R., Scarf, B., et al. (2020). Consumer Behaviour during Crisis: The Role of Fear and Uncertainty. Journal of Consumer Behaviour.

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